terça-feira

Igreja Anglicana decide pedir perdão a Darwin


Por falar em Darwin, José Saramago fez uma interessante reflexão sobre o pedido oficial de perdão que a Igreja Anglicana finalmente decidiu fazer ao grande naturalista britânico, autor da célebre Teoria da Evolução.

Em seu blog, recentemente inaugurado, Saramago questiona, com a especial inteligência e a finíssima ironia que lhe são características, qual seria o valor de um pedido de desculpas feito com tamanho atraso, uma vez que A Origem das Espécies está para completar 150 anos de publicada e o autor impedido, por força maior, de responder ao magnânimo gesto.

"Nada tenho contra os pedidos de perdão que ocorrem quase todos os dias por uma razão ou outra, a não ser pôr em dúvida a sua utilidade. Mesmo que Darwin estivesse vivo e disposto a mostrar-se benevolente, dizendo “Sim, perdoo”, a generosa palavra não poderia apagar um só insulto, uma só calúnia, um só desprezo dos muitos que lhe caíram em cima."

Saramago, no entanto, não deixa de reparar que a extemporânea decisão da Igreja Anglicana deverá desagradar os criacionistas norte-americanos, alvoroçados pela inesperada assunção de Sarah Palin ao mais alto púlpito do país. Duzentos anos após seu nascimento, Charles Robert Darwin continua sendo mal interpretado por boa parte da humanidade e até mesmo perseguido pelo obcecado fervor anti-evolucionista dos que acreditam que o mundo parou no sétimo dia de sua criação.


Acompanhe o imperdível blog de José Saramago >

domingo

Gentileza é bom e eu gosto


Tudo bem, vivemos num sistema que nos incita à competição o tempo inteiro. É difícil resistir a tanta propaganda doutrinária, direta ou disfarçada, escancarada ou subliminar, diariamente embutida nas novelas e programas de tv, na literatura de auto-ajuda e até nas mais inocentes letras de músicas que costumam freqüentar a parada de sucessos.

Acabamos todos competindo. Por uma vaga na faculdade, no estacionamento ou no ônibus, não importa. O importante é competir, diz o refrão. Sobrepujar os limites do corpo, mesmo que para isso o atleta fique cheio de pinos e com mais parafusos que a Torre Eiffel. E tome olimpíada, campeonato de futebol, reality show e muitas dicas de como alcançar o sucesso e a prosperidade, como se houvesse lugar para todos no fim do arco íris, menos para os preguiçosos renitentes, é claro.

'Acorda menino! Entra na corrida maluca do vestibular ou vão tomar seu emprego, sua casa, sua família, sua dignidade, sua alma.' Logo de manhã já tem sermão em forma de poesia. E a lavagem cerebral não pára, até você dormir exausto e sonhar que é bem sucedido, famoso e cheio da grana, que é, de fato, o que dizem que importa no final das contas e dos contos.

Aí você desperta no dia seguinte, pronto pra disputar qualquer coisa com qualquer pessoa que esteja atravancando o seu caminho, dando coice no vizinho, que teve o descaramento de te desejar bom dia quando, obviamente, ele está pouco se lixando pra sua vida. Na rua, um monte de gente quer pegar o táxi na sua frente pra chegar no trabalho antes de você, mas você é mais rápido, mais competente, mais esperto, enfim, você é mais você.

Pode ser que você não se identifique com esta descrição, não veja a menor semelhança com este ser humano patético e deselegante, afinal, ninguém gosta de vestir carapuça na própria cabeça, mas a verdade é que todos nós estamos sendo gradativamente contaminados pelo veneno da competição desenfreada. Estamos todos ficando rudes, grosseiros, estressados, e o pior, achando que isso é normal, que a sobrevivência dos mais capacitados é um inexorável processo de seleção natural.

Mas, nem Darwin, nem a natureza, jamais apontaram esse caminho. Pelo contrário, Darwin defendeu sua teoria evolutiva calcado em vários estudos de adaptabilidade, enquanto a própria natureza oferece inúmeros exemplos de cooperação entre as espécies. Se o sistema nos compele a competir de maneira selvagem e inescrupulosa, é porque esta é a viga mestra da arquitetura de nossa sociedade, a principal regra do jogo, e isso não tem nada a ver com seleção natural ou qualquer outro determinismo pseudo científico.

Assim, mesmo que insistam em dizer que o cooperativismo é uma grave subversão da ordem e que só a competição leva ao aprimoramento genético, desconfie. Quando te convidarem para o Campeonato Mundial de Cuspe em Distância, dê uma desculpa bem educada e tente gastar sua saliva em projetos mais nobres. Nada contra este valoroso esporte, mas, enquanto disputam quem é capaz de atirar mais longe o humor segregado pelas glândulas bucais, a tendência é ficar sem humor algum.

Um dos efeitos colaterais da competição é deixar todo mundo mal humorado. Marrento, birrento, ranheta, brigão. Nesse caso, é muito melhor ser solidário e gentil. É, eu sei, tá difícil. Quase ninguém mais usa esse negócio de gentileza, isso é coisa do passado. Mas a calça boca de sino não saiu do baú, sacudiu a poeira e voltou a brilhar na vitrine ? Então nada mais é impossível. Até mesmo colocar a gentileza de novo na moda.


PS: Este post foi inspirado por uma frase de Gustavo de Almeida que li no blog Eclipse: “Acho que uma coisa útil que poderíamos começar nos blogs é uma campanha pela educação com o próximo.”